“Quando ele falou que ia fazer vestibular eu comentei: ele vai
passar. Bateu assim
na minha mente: esse rapaz vai passar! (...) Quando ele entrou
na UEL precisava
de foguete. (...) A D. Pascoalina que é parteira já disse também
que tem mais
coisa vindo por aí.” Sr. Samuel, 77 anos, avô de Fabrício, 20
anos, estudante bolsita do curso de Educação Física da UEL (Diário de Campo, NUNES 2007).
A epígrafe acima trata do pioneirismo de um jovem que
ingressou no ensino superior e que é o grande orgulho de sua família cujos
membros antes dele não puderam considerar real a possibilidade da educação em
nível superior. Assim como ele, tantos outros jovens tornaram essa uma
aspiração possível graças ao sistema de cotas. No bojo das políticas
afirmativas, esse sistema preconiza a reserva de vagas em instituições de
ensino superior para parcelas da população historicamente privadas desse
direito. É parte das políticas governamentais que, valendo-se da máxima aristotélica
de “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais” (GONZAGA 2009) e conscientes do
histórico abismo étnico-racial construído na sociedade brasileira, busca
restituir a igualdade social por meio da compensação de desigualdades
preexistentes.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
de 1999 dão conta de que apenas 2% dos jovens negros entre 18 e 25 anos
ingressaram na universidade contra um percentual de 11% dos jovens brancos na
mesma faixa etária (NUNES 2007). Tais dados
expressam um déficit geral no acesso ao ensino superior, mas demonstram,
sobretudo, que para alguns (os negros) o ensino superior era praticamente
inacessível. Após a disseminação das
políticas afirmativas pelo país, em 2010, dados do mesmo instituto dão conta de
que o percentual de negros subiu para 8,3% e o de brancos para 14% (IPEA, BRASIL 2014). Claramente foi
promovida uma diminuição do déficit que acompanhava a população negra.
Nesse contexto, o sistema de cotas como parte de uma
política educacional vem cumprindo o dever estatal preconizado pela CF/1988 de
construção de uma sociedade livre, justa e solidária e auxilia no comprimento
do seu art. 5º no que se refere a promover a igualdade entre os cidadãos (BRASIL, 1988). Conforme mencionado com a
citação de Aristóteles, a justa promoção da igualdade pede por vezes,
tratamentos diferenciados, envolvendo ações de cunho reparatório/compensatório (SEIFFERT e HAGE 2008). As cotas se inserem justamente na lacuna
deixada por uma educação que por muito tempo negligenciou a reação contra a
conduta racista que determinava a uma parcela da população, seja a qual a
população negra, que a mobilidade para o ambiente acadêmico não lhe era
permitida. (NUNES 2007).
É um sistema que busca a justa medida ao passo que promove a superação das
desigualdades, não se constituindo jamais, ele mesmo um mecanismo
discriminatório.
Autora: Fernanda Ribeiro – Membro Neabi USJ
REFERÊNCIAS
BRASIL. “Constituição (1988).” Constituição da
República Federativa do Brasil.. Edição: 1988. Senado. Brasília: Disponível
em: <http://www.planalto.gov .br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
Acesso em 25 jul. 2015
GONZAGA,
Álvaro de Azevedo. “O Princípio da Igualdade: é juridicamente possível no
ordenamento jurídico existirem leis discriminatórias?” Scientia FAER .
Publicado em 10 jun. 2009. Disponível em: < http://www.faer.edu.br/ revistafaer/artigos/edicao1/1-10_alvaro_de_azevedo_gonzaga%5B1%5D.pdf>)
Acesso em 25 jul. 2015
IPEA,
BRASIL. “IPEA.” Políticas Sociais - Acompanhamento e análise (com anexo
estatístico). 30 de set. de 2014. Disponível em: <http://www.ipea.gov .br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=23602>
. Acesso em 28 de ago. de 2015.
NUNES,
Georgina Helena Lima. “A Permanência da População Negra na Universidade
Estadual de Londrina.” In: Acesso e Permanência da População Negra no Ensino
Superior, por Maria Auxiliadora LOPES e Maria Lúcia de Santana (Orgs.)
BRAGA, 319-347. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade; UNESCO, 2007.
SEIFFERT, O. M. L. B., e S. M. HAGE. “Políticas de Ações Afirmativas para a Educação Superio no
Brasil: da intenção à realidade.” In: Educação Superior no Brasil - 10 anos
Pós-LDB, por M. BITTAR, J. F. OLIVEIRA e M. (Orgs.) MOROSINI, 143-150.
Brasília: INEP, 2008.