segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Igualdade e o sistema de cotas


“Quando ele falou que ia fazer vestibular eu comentei: ele vai passar. Bateu assim
na minha mente: esse rapaz vai passar! (...) Quando ele entrou na UEL precisava
de foguete. (...) A D. Pascoalina que é parteira já disse também que tem mais
coisa vindo por aí.” Sr. Samuel, 77 anos, avô de Fabrício, 20 anos, estudante bolsita do curso de Educação Física da UEL (Diário de Campo, NUNES 2007).

A epígrafe acima trata do pioneirismo de um jovem que ingressou no ensino superior e que é o grande orgulho de sua família cujos membros antes dele não puderam considerar real a possibilidade da educação em nível superior. Assim como ele, tantos outros jovens tornaram essa uma aspiração possível graças ao sistema de cotas. No bojo das políticas afirmativas, esse sistema preconiza a reserva de vagas em instituições de ensino superior para parcelas da população historicamente privadas desse direito. É parte das políticas governamentais que, valendo-se da máxima aristotélica de “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais” (GONZAGA 2009) e conscientes do histórico abismo étnico-racial construído na sociedade brasileira, busca restituir a igualdade social por meio da compensação de desigualdades preexistentes.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 1999 dão conta de que apenas 2% dos jovens negros entre 18 e 25 anos ingressaram na universidade contra um percentual de 11% dos jovens brancos na mesma faixa etária (NUNES 2007). Tais dados expressam um déficit geral no acesso ao ensino superior, mas demonstram, sobretudo, que para alguns (os negros) o ensino superior era praticamente inacessível.  Após a disseminação das políticas afirmativas pelo país, em 2010, dados do mesmo instituto dão conta de que o percentual de negros subiu para 8,3% e o de brancos para 14% (IPEA, BRASIL 2014). Claramente foi promovida uma diminuição do déficit que acompanhava a população negra.
Nesse contexto, o sistema de cotas como parte de uma política educacional vem cumprindo o dever estatal preconizado pela CF/1988 de construção de uma sociedade livre, justa e solidária e auxilia no comprimento do seu art. 5º no que se refere a promover a igualdade entre os cidadãos (BRASIL, 1988). Conforme mencionado com a citação de Aristóteles, a justa promoção da igualdade pede por vezes, tratamentos diferenciados, envolvendo ações de cunho reparatório/compensatório (SEIFFERT e HAGE 2008).  As cotas se inserem justamente na lacuna deixada por uma educação que por muito tempo negligenciou a reação contra a conduta racista que determinava a uma parcela da população, seja a qual a população negra, que a mobilidade para o ambiente acadêmico não lhe era permitida. (NUNES 2007). É um sistema que busca a justa medida ao passo que promove a superação das desigualdades, não se constituindo jamais, ele mesmo um mecanismo discriminatório.

Autora: Fernanda Ribeiro – Membro Neabi USJ

REFERÊNCIAS

BRASIL. “Constituição (1988).” Constituição da República Federativa do Brasil.. Edição: 1988. Senado. Brasília: Disponível em: <http://www.planalto.gov .br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.  Acesso em 25 jul. 2015
GONZAGA, Álvaro de Azevedo. “O Princípio da Igualdade: é juridicamente possível no ordenamento jurídico existirem leis discriminatórias?” Scientia FAER . Publicado em 10 jun. 2009. Disponível em: < http://www.faer.edu.br/ revistafaer/artigos/edicao1/1-10_alvaro_de_azevedo_gonzaga%5B1%5D.pdf>) Acesso em 25 jul. 2015
IPEA, BRASIL. “IPEA.” Políticas Sociais - Acompanhamento e análise (com anexo estatístico). 30 de set. de 2014. Disponível em: <http://www.ipea.gov .br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=23602> . Acesso em 28 de ago. de 2015.
NUNES, Georgina Helena Lima. “A Permanência da População Negra na Universidade Estadual de Londrina.” In: Acesso e Permanência da População Negra no Ensino Superior, por Maria Auxiliadora LOPES e Maria Lúcia de Santana (Orgs.) BRAGA, 319-347. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; UNESCO, 2007.
SEIFFERT, O. M. L. B., e S. M. HAGE. “Políticas de Ações Afirmativas para a Educação Superio no Brasil: da intenção à realidade.” In: Educação Superior no Brasil - 10 anos Pós-LDB, por M. BITTAR, J. F. OLIVEIRA e M. (Orgs.) MOROSINI, 143-150. Brasília: INEP, 2008.


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